domingo, 12 de setembro de 2010

Picture Of Jesus

Faz hoje quinze dias que passei um dos piores momentos da minha vida. Falo-vos de uma realidade que grita muda para todo um mundo surdo que tarda em não ouvir os seus pedidos de ajuda. Já moro em Lisboa à algum tempo, mas desde que moro aqui em Arroios é que pude presenciar com esta realidade diferente. É triste passar na rua e quase tropeçar em pessoas que dormem no chão, naquele chão em que muitos cospem, mijam vomitam, e coisas mais nojentas que não posso nem quero imaginar, eu mesmo as faço. E é desse mesmo chão que vejo muitos fazerem o seu próprio leito, uns cartões a fazerem de corta vento, uns cobertores mal amanhados e muitos já ruídos fazem de suas mantas de dormir. É triste pensar pior é mesmo presenciar!
Com a vida que levei ultimamente vi-me obrigado a passar em 2 pontos estratégicos dos ditos pobres. À muito que venho daquelas noites loucas, depois de sair do táxi na Praça do Chile e depois de ter comprado o meu bolinho nos boleiros do costume. Já vai avançada a hora quando passo em plenas escadarias do Igreja de Arroios, e não fazem ideia das pessoas que ali dormem, juro porque eu também não fazia. Naquelas noites frias, com o bolo quente na mao, so penso em chegar à minha caminha quentinha, e aquelas pessoas dormem ali ao frio, à chuva, muitas vezes não me envaidece dizer que moro num mundo assim do qual colaboro. Porque não dividir o meu pouco que tenho com aqueles que ali estão e tanto precisam?não vos sei responder, poderiam haver muitas explicações, cobardia talvez, vergonha, enfim, são tantas desculpas que se pode arranjar para tal acção não realizar.
Já para não falar do jardim Constantino, a azáfama ali por volta das 21horas é grande, é a sopa dos pobres que ali passa por essa hora todos os dias, distribuindo muitas vezes as sobras que muitos de nós mandamos fora. É um facto aquele jardim de à pouco remodelado, cheira a pobreza, uma pessoa passa ali e o cheiro que de quem pouco se lava, pouco come, pouco se cuida é tão intenso que não pode ser indiferente a ninguém que ali passe.
E eis que me pergunto, se Deus tivesse uma forma que reflectisse este mundo, seria esta forma que ele teria?estará Deus a ser justo com estas pessoas?
É por estas e outras mais razões que não acredito em tal edilidade, porque se ele realmente existisse, não haveriam escadarias de Arroios nem jardins constatinos nem nada que se pareça.

Por fim venho-vos contar então o que realmente me aconteceu. Era fim de tarde de sábado, e eu como sempre, de ritual já assim à muito faço, fui ver das normais comprinhas ao normal pingo doce do costume. Já levava o dinheiro contado. Depois de compras feitas, dos sacos na mão e de já me encontrar de saída do estabelecimento, sou abordado por um homem. A agonia e aflição eram reflexos nos seus olhos, acreditem que antes de ele sequer me falar eu já sabias ao que vinha. De roupa mal amanhada, e de cabeça cabisbaixa, não obstante da vergonha que naquela situação sentiria, me pediu ajuda.
"ajuda-me, estou desempregado, e tenho dois filhos para criar!" foram estas as parcas palavras que a mim confessou, parece que ainda hoje as ouço, foram tão sinceras tão profundas, era notável bem a vergonha do rebaixar que um pai de família tem de chegar para dar pão aos seus filhos. Ja muitas vezes tinha sido abordado por pedintes, e nunca um cêntimo dei, muitos vê-se que apenas não querem sequer trabalhar, mas aquele pedido foi-me tão sincero, que me apeteceu parar o relógio do mundo e Gritar bem alto, PAREM E OLHEM AO QUE ISTO CHEGOU. Senti revolta, senti dor, foi como se me visse eu naquela situação, e toda a tristeza me invadiu a alma. E de tanta vergonha que senti também, fui cobarde, e nem uma palavra consegui dizer, queria falar mas não conseguia, e nem uma acção. Tenho vergonha de dizer isto, como tenho vergonha de nem sequer ter dado, por escassa que fosse, uma ajuda.
Desta acção cobarde e acentuadamente repugnante não me orgulho em nada, fui apenas mais um, igual a tantos outros, ignoro o mundo que está ali a meu lado a pedir ajuda, e limito-me a ser egoísta e pensar e viver só na minha bolhinha. E não me vou esquecer daquela cara possuída pela tristeza que o orgulho não deixava chorar, vivo e recordo cada passo que dei até minha casa. Não foram mais que cinco minutos, mas a cada passo, cada lágrima que em mim escorria, a tristeza da existência de tal mundo ainda agravada pela vergonha que tive em ajudar, vão fazer-me penitenciar até ver findada a minha voz.
Tive a oportunidade de ser diferente, e fui apenas mais um, e disso só tenho simplesmente vergonha!


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Marcha dos deslinhados

Porque talvez foram uma das melhores reuniões de excelentes músicos portugueses
Porque gritaram revolta e disseram "Parem"
Porque desalinhados cada vez mais são aqueles que rumam na direcção certa
Porque cresci a ouvi-los
Porque a sua irreverencia estava estampada no seus rostos de meninos, alguns irreconheciveis diga-se de passagem
Porque todos nasceram selvagens como eu
Porque a noite fez deles um dos maiores sucessos, e jamais serão esquecidos
E porque amanhã será sempre longe demais!